sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

hora do recreio

A rosa branca de minha mãe já perdeu a alvura, mas ainda a mantenho dentro de um caderninho velho da época de escola. Cheiro de um ontem tão vivo quanto estranho, tempo que me absorve sem pedir licença. Estou longe do agora. Lembro dos passos, das vozes.

Encontro as costas largas do professor de biologia. Ele é baixo e esconde uma cicatriz curta entre o bigode denso, negro. Gosto dele. Daquelas mãos pequenas contrastando com os braços fortes. Durante nossas saídas guiadas ao Jardim Botânico, ponho-me sempre perto da sua fala rouca. Admiro os gestos, a eloquência didática, o sorriso. Ziguezagueio silenciosamente entre as pernas dos colegas de turma para estar ali, insignificante, ao seu lado.

Voltamos. A sala cheia. Conversas e brincadeiras típicas das crianças. Todas elas, menos eu, trocam bilhetinhos. Minha companhia não é necessária, concluo resignada à vida dos grafites e dos livros por ler. Sento, como usualmente, em uma das cadeiras da frente. A primeira fila é conveniente. De costas para todos aqueles gigantes, assisto às aulas. Muda. Presto atenção nos sinônimos e sínteses, copio cada palavra, cada ilustração, e tiro boas notas. A causa? Orgulho e segredo meu.

Toca a sirene. A hora do recreio chega como tragédia anunciada. O momento dos desfiles de barbies, do pique-esconde, e do queimado me atormenta – vinte longos minutos em que o silêncio não é a regra. Escondida na sala de aula, finjo a plenitude com o nariz enfurnado numa página qualquer de livro. Permaneço ali, olhando fixamente para o papel, sem apreender coisa alguma, sem olhar para os lados, sem encarar a minha própria vergonha. Estou só, mais uma vez. A sirene estridente me faz pular da cadeira. Caem as canetas e os livros. O estojo, comprado nos Estados Unidos, parte-se em três. Nem me importo. Sorrio aliviada. Menos um recreio.

Às sextas-feiras, mamãe dava dinheiro para o lanche. Dia feliz. Vou altiva até a cantina e compro, orgulhosa, o enorme queijo quente no pão árabe – sanduíche mais caro da lanchonete. Volto bem devagar até a sala. Saboreio cada mordida e me sinto redimida por alguns eternos minutos. Posso circular sem ser observada. Pertenço ao pão, o pão me pertence, pertenço. Sexta não tem aula de biologia. Pena.


Foto: google images

Um comentário:

Anônimo disse...

sua companhia é sempre necessária...