Encontro as costas largas do professor de biologia. Ele é baixo e esconde uma cicatriz curta entre o bigode denso, negro. Gosto dele. Daquelas mãos pequenas contrastando com os braços fortes. Durante nossas saídas guiadas ao Jardim Botânico, ponho-me sempre perto da sua fala rouca. Admiro os gestos, a eloquência didática, o sorriso. Ziguezagueio silenciosamente entre as pernas dos colegas de turma para estar ali, insignificante, ao seu lado.
Voltamos. A sala cheia. Conversas e brincadeiras típicas das crianças. Todas elas, menos eu, trocam bilhetinhos. Minha companhia não é necessária, concluo resignada à vida dos grafites e dos livros por ler. Sento, como usualmente, em uma das cadeiras da frente. A primeira fila é conveniente. De costas para todos aqueles gigantes, assisto às aulas. Muda. Presto atenção nos sinônimos e sínteses, copio cada palavra, cada ilustração, e tiro boas notas. A causa? Orgulho e segredo meu.
Toca a sirene. A hora do recreio chega como tragédia anunciada. O momento dos desfiles de barbies, do pique-esconde, e do queimado me atormenta – vinte longos minutos em que o silêncio não é a regra. Escondida na sala de aula, finjo a plenitude com o nariz enfurnado numa página qualquer de livro. Permaneço ali, olhando fixamente para o papel, sem apreender coisa alguma, sem olhar para os lados, sem encarar a minha própria vergonha. Estou só, mais uma vez. A sirene estridente me faz pular da cadeira. Caem as canetas e os livros. O estojo, comprado nos Estados Unidos, parte-se em três. Nem me importo. Sorrio aliviada. Menos um recreio.
Às sextas-feiras, mamãe dava dinheiro para o lanche. Dia feliz. Vou altiva até a cantina e compro, orgulhosa, o enorme queijo quente no pão árabe – sanduíche mais caro da lanchonete. Volto bem devagar até a sala. Saboreio cada mordida e me sinto redimida por alguns eternos minutos. Posso circular sem ser observada. Pertenço ao pão, o pão me pertence, pertenço. Sexta não tem aula de biologia. Pena.
Foto: google images
Um comentário:
sua companhia é sempre necessária...
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